segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Fértil

o sonho do dia 26/10

estávamos numa festa com os amigos. uma piscina grande, árvores, e aquele calor de uma tarde no sertão. os meninos tocavam rock. e eu tava conversando em pé num círculo com o povo, mas de olho em você.
você vinha sorrateiro e rapidamente colocava um punhado de terra na minha cabeça com uma mão e com a outra, me encharcava toda derramando água com um regador!
eu mergulhei na piscina pra tirar a terra e corri atrás de você, que se esgueirava em meio as árvores.
eu estava de biquíni e shortinho, descalça, completamente molhada, sorrindo e brilhando ao sol. meus cabelos estavam compridos e cacheados, como quando eu era adolescente, e molhados os cachos pingavam gotas na cintura.
te vi distraído de costas, e fui silenciosa com meu punhado de terra na mão, tentar fazer o mesmo, mas não consegui. você é alto, e tive que dar um saltinho pra alcançar teu cocuruto. a terra foi pro lado e água derramou... você fugiu e todos riram de mim.
corri em teu encalço, e você entrou num galpão, distante do resto da festa. estava vazio.
nos entreolhamos silenciosamente: agora só havia nós dois.
sentamos num banco de alvenaria e nos abraçamos. teu corpo quente, meu corpo molhado. beijei teu pescoço, te cheirei... cheiro no cangote, tem coisa melhor?
não lembro mais... o sol já descia, a festa acabava, tínhamos que ir embora...
acordei.
...
o que você fez?
plantaste algo na minha cabeça? eu não consegui fazer o mesmo contigo, não é?
ou eu era vaso? semente?
erva daninha? árvore?
fincou raízes, ainda não murchou
mas aqui a seca tá grande,
a chuva ainda não chegou.
foi flora da caatinga? ao menor sinal de chuva revive
ainda brotará?
 

sábado, 26 de outubro de 2019

Sonhei contigo 

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

27 de março

A ultima vez que te vi, eu te disse que ia embora.
E você, fez uma cara
Como se eu tivesse dito que fui acometida de uma doença fatal, altamente contagiosa.
E foi se afastando de mim.
Eu, que queria justamente o oposto, não soube reagir.
O que aconteceu? Ainda me pergunto.
Você tem medo de mim?
E porque, às vezes, parecia tão ...
O olhar, breves mas intensos abraços, tua voz ao pronunciar meu nome...
E disse que iria me visitar. Eu acreditei.
Mas já deves ter me matado, doença altamente fatal, né ...
Eu acreditei.

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Espinhos

espinhos
rasgaram minha pele
cortaram o meu rosto
espetaram os meus dedos

querer andar descalça na caatinga
esquecer o que a mãe ensinou
largar as alpercatas no alpendre
queimar o pé na pedra quente

espinhos
eu já nem mais os vejo
arranquei como pude
e ainda doem os dedos

botar os pés na terra vermelha
caminhar onde o barro rachou
colecionar besouros cascudos
catar umbu ainda verde

espinhos
mandacaru favela
macambira facheiro
faço deles meus brinquedos

subir bem lá no alto do lajedo
desobedecer o que o pai ordenou
gritar aos quatro cantos meus desejos
deixar se ver por toda gente

espinhos
se enroscam em minha volta
fazem sangrar meu corpo
É o que dá viver sem medo


sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Fevereiro

Era fevereiro
E você não viu
Meu olhar urgente
Meu corpo febril
Meu cheiro de cio

Queria que o mês
se estendesse eternamente
Que o carnaval não chegasse
o calor não passasse

Mas o carnaval chegou
E foi tão sóbrio e casto
E por isso infernal
Preferia a quaresma
Com samba dominical

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

eu preciso de tuas palavras

fala

me escreve

vêm
sussurra em meu ouvido

preciso

terça-feira, 20 de agosto de 2019

quando o dia virou noite

uma mancha escura no céu
da chama ardente
queimando troncos
queimando corpos
tapando as vias
de respiração
tapando o sol
tapando os dias
mas fazendo ver
o que não se queria
a destruição
mortificante
da nação

terça-feira, 6 de agosto de 2019

quando chegarei?

Eu fui embora
mas ainda não cheguei
a lugar algum.

E, eu sei, já passou da hora
não é racional
não há como explicar

Querer retroceder, mas
não ter como voltar
refaço em meus sonhos
aquilo que não há .

eu nunca vou saber?
decerto já me eliminasse
do pouco que havia
enquanto eu rasgo a pele
insone, enlouquecida
esperando um sinal
que sentisses
tanto quanto eu


sexta-feira, 12 de julho de 2019

é. hoje eu sonhei contigo.
eu queria te explicar,
você queria fugir

desculpa, essa minha maluquice não é de hoje, eu dizia
espera, tá acontecendo de novo, mas... [não me olha assim] eu estendia o braço enquanto você saía
você sabe? entende?
você parou. eu ia até lá e dizia sorrindo: vai ficar tudo bem (e as lágrimas rolando no rosto
você sorriu. pareceu que enfim compreendia.
quem sabe, até sentia. me olhou daquele jeito
Seus olhinhos , sobrancelhas...
Segurou o meu rosto, não como da última vez, mas com as duas mãos. Se aproximou. Encostou tua testa na minha. Depois me abraçou,me aconchegou em teu peito. Era tudo que podia
Consolo
Você tinha pena? Compaixão
Com- paixão?
De mim? De nós dois?


domingo, 30 de junho de 2019

Xote da madrugada

Disseste lírio
O cheiro em meu pescoço
Disseste vinho
Do meu gosto em tua boca
Disseste lua
Minha pele sob a roupa

Tuas mãos morenas na minha cintura
Deslizavam em sua ascendente curva
Quentes e fortes apertavam minha coxa
E eu já ficando de vista turva
Não me continha, te agarrava feito louca
Me deixavas quase rouca, me fazias suspirar
E o resto eu não posso mais falar

30 de junho, 3h28.


quarta-feira, 26 de junho de 2019

estou cansada

terça-feira, 4 de junho de 2019

Delírio

Te olhar
como quem sente
Te beijar
como quem come
Te agarrar
como quem goza
E gozar
como quem nunca
Cochilar
como quem sonha
E sonhar
como quem ama
Te amar
como quem não pode
Não poder
como quem parte
E partir
como quem não volta
E voltar
como quem não foi
Escrever
como quem vive
Confessar
como quem morre

4/6

segunda-feira, 27 de maio de 2019

A morte me pegou desprevenida.
Me fez arrepender do adiar.
A morte me pegou, deu um: se liga,
que nunca digo o dia de chegar.

quarta-feira, 24 de abril de 2019

Sobre o sentir

Sinto tanto,
sinto muito.

E o que fazer com tanto sentir?

Anestesiar?
Deixar fluir?
Tentar entender?
Não permitir?

Sinto tanto,
sinto muito.

É que só sei ser assim.
Mas disfarço, me contenho
pra que doa só em mim.
 


segunda-feira, 22 de abril de 2019

Páscoa, pessach

Renascimento, libertação

Sobre o dançar

Sozinha o dia inteiro que já findava, dancei exaustivamente as mais dramáticas músicas como se praticasse um auto exorcismo. E durante umas leituras noturnas, me vieram centelhas do porque que eu danço.
Anteontem mesmo, mami comentou ao ver um balé na tv: sua irmã sempre gostou de teatro, mas você sempre preferiu dança. É verdade. Ainda hoje me lembro e reproduzo os passinhos frenéticos do foxtrot, meu ritmo preferido da dança de salão, minha primeira e breve experiência aos 12 anos, ocasionada pela recusa do treinador de que eu participasse do time de futsal por ser menina. Adolescente e com mania de Egito antigo fui atrás da dança do ventre. Mas foi já na universidade que me encontrei na dança de verdade. A dança moderna me ensinou sobre um corpo forte e flexível. O oposto da delicadeza frágil do balé clássico, deveríamos expressar toda a nossa potência - pisadas firmes, movimentos duros e precisos, marcados feito compasso e esquadro. Abdome, pernas e braços que se expandiam e jorravam energia, como se deles partissem feixes de luz. Depois, com a dança contemporânea, meu corpo já sabia mover, mas o desafio maior foi a liberdade dada pra criar o movimento. Foi proposta uma coreografia onde tínhamos que desenvolver um solo que evocasse nossas repulsas e medos, nossas loucuras secretas, para apresentar num espetáculo. Na minha, eu levava as mãos aos ouvidos, para silenciar as vozes do pensamento que não me deixavam sossegar. Num trecho da coreografia, todas as integrantes deveriam, uma por uma, ir à beira do palco e gritar do modo mais estridente possível. Mas meu grito foi mudo - abri a boca de onde só escapou o silêncio. Por isso a tentativa da adolescência num grupo de teatro foi falha. O problema, desde cedo, é falar. E acho que de tanto calar, meu corpo se especializou em tentar dizer tudo aquilo que estava indizível - dançando, ou por vias mais dolorosas (quando fica incontrolável - os espasmos, tremores, palpitações...). E assim, também se aperfeiçoa o buscar e sentir: cada olhar, cada mínimo toque, se reveste de poderosa intensidade.
*Ah, já quase esquecia. A coreografia foi montada e nos apresentamos duas vezes num teatro pequeno. O nome do espetáculo: Histeria.

**Será que algum dia tu ainda me verás dançar?

sexta-feira, 5 de abril de 2019

à luz da luz que parte

À luz da luz que parte
Vemos melhor, de facto,
Que à do pavio que fica.
Há algo na partida
Que a visão clarifica
E os raios aviva.
Emily Dickinson

quinta-feira, 4 de abril de 2019

Luto

Eu senti como se alguém tivesse morrido
Mas quem morreu ?
Eu mesma. Eu morri
Escolhi morrer
E o pior, uma morte tão prematura
Dois anos e meio,
Mal tinha aprendido a andar e falar
Parti
Ninguém me ouviu cantar
Ninguém me viu chorar
E velei o meu próprio luto

terça-feira, 26 de março de 2019

como se...

como se te perdesse
como se te tivesse
como se houvesse
algo além
de olhares e acenos

dalguma cumplicidade cotidiana
daquela despedida ávida
de quem não quer se despedir

como se fosse a última chance
como se fosse o final dos tempos
como se fosse o agora ou nunca

como se fosse o máximo que pudesse

28/2

Partir

porque partir é como morrer
é se deixar esquecer
desaparecer
desse cotidiano
por isso insisto,
escrever
vã tentativa de permanecer

e quando apagarem
as letras das paredes
ainda lembrarás?

quinta-feira, 21 de março de 2019

A Tempestade

Relâmpagos?
não refulgem tão intensos
quanto teu olhar

Trovões?
não ressoam tão alto
quanto meu coração

21/3

Quando a chuva não cessa a seca

choveu
mas não nos molhamos
nos esquivamos
no abrigo frio
e seguro

choveu
mas nos protegemos
não ousamos encarar
a tempestade
o estrondo faiscante
no encontro do olhar

choveu
e a caatinga já florescia
mas a gente permanecia
como se a seca fosse matar

quinta-feira, 14 de março de 2019

Dez Chamamentos ao Amigo - fragmentos

II
Ama-me. É tempo ainda. Interroga-me.
E eu te direi que nosso tempo é agora.
Esplêndida avidez, vasta ventura
Porque é mais vasto o sonho que elabora

Há tanto tempo sua própria tessitura.
Ama-me. Embora eu te pareça
Demasiado intensa. E de aspereza.
E transitória se tu me repensas.

III
Se refazer o tempo, a mim, me fosse dado
Faria do meu rosto de parábola
Rede de mel, ofício de magia

E naquela encantada livraria
Onde os raros amigos me sorriam
Onde a meus olhos eras torre e trigo

Meu todo corajoso de Poesia
Te tomava. Aventurança, amigo,
Tão extremada e larga

E amavio contente o amor teria sido

X
[...]
É como se a despedida se fizesse o gozo
De saber
Que há no teu todo e no meu, um espaço
Oloroso, onde não vive o adeus.
 

[...]
II

Ama-me. É tempo ainda. Interroga-me.
E eu te direi que o nosso tempo é agora.
Esplêndida altivez, vasta ventura
Porque é mais vasto o sonho que elabora
Há tanto tempo sua própria tessitura.
Ama-me. Embora eu te pareça
Demasiado intensa. E de aspereza.
E transitória se tu me repensas.

III

Se refazer o tempo, a mim, me fosse dado
Faria do meu rosto de parábola
Rede de mel, ofício de magia
E naquela encantada livraria
Onde os raros amigos me sorriam
Onde a meus olhos eras torre e trigo
Meu todo corajoso de Poesia
Te tomava. Aventurança, amigo,
Tão extremada e larga
E amavio contente o amor teria sido.

Leia mais: https://www.luso-poemas.net/modules/news03/article.php?storyid=829 © Luso-Poemas
II

Ama-me. É tempo ainda. Interroga-me.
E eu te direi que o nosso tempo é agora.
Esplêndida altivez, vasta ventura
Porque é mais vasto o sonho que elabora
Há tanto tempo sua própria tessitura.
Ama-me. Embora eu te pareça
Demasiado intensa. E de aspereza.
E transitória se tu me repensas.

III

Se refazer o tempo, a mim, me fosse dado
Faria do meu rosto de parábola
Rede de mel, ofício de magia
E naquela encantada livraria
Onde os raros amigos me sorriam
Onde a meus olhos eras torre e trigo
Meu todo corajoso de Poesia
Te tomava. Aventurança, amigo,
Tão extremada e larga
E amavio contente o amor teria sido.

Leia mais: https://www.luso-poemas.net/modules/news03/article.php?storyid=829 © Luso-Poemas

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Sede lll

Eu já pressentia
Teu olhar que me sorria
Quando acaso te encontrar
E o sorriso que dizia
Tudo sem sequer falar.

23/01/19

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

eu você e o mar

queria que você me visse como o mar
que não se apreende de um vez
em um único olhar
e a cada olhar os pormenores
mais vontade dá de mergulhar 

descobrir o que é que há
nesse mistério imenso
desejar a delícia do corpo
no calor de minhas águas

me perceber de olhos fechados,
como na brisa o cheiro de maresia

em dia de calmaria 
lamber suave teus pés,
teus tornozelos,
depois te derrubar, intensa
sobre teu corpo inteiro
feito as ondas na maré cheia


sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Enquanto a chuva não desaba sobre nós

Tensão
Tesão
calor
abafado
pesadas nuvens cinzentas
ar parado
relâmpago
trovejadas
E no entanto
esse chove não molha
Tesão
Tensão

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Amavisse

II
Como se te perdesse, assim te quero.
Como se não te visse (favas douradas
Sob um amarelo) assim te apreendo brusco
Inamovível, e te respiro inteiro


Um arco-íris de ar em águas profundas.


Como se tudo o mais me permitisses,
A mim me fotografo nuns portões de ferro
Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima
No dissoluto de toda despedida.


Como se te perdesse nos trens, nas estações
Ou contornando um círculo de águas
Removente ave, assim te somo a mim:
De redes e de anseios inundada.


Hilda Hilst