saúde
coragem
fé
quinta-feira, 19 de dezembro de 2013
domingo, 24 de novembro de 2013
quinta-feira, 7 de novembro de 2013
Carnac (fragmentos)
1
Mar à beira do nada,
Que se mistura ao nada,
Para melhor saber o céu,
As praias, os rochedos,
Para melhor os receber.
2
Algum dia brincaremos,
Por uma hora que seja,
Nada mais que alguns minutos,
Oceano solene,
Sem que tenhas tu esse ar
De outra coisa te ocupar?
3
Sabes de mais que todos te preferem,
Que mesmo aqueles que te deixaram
Nos trigos te reencontram,
Na erva te procuram,
Na pedra te escutam,
Sem que jamais consigam agarrar-te.
4
Tem qualquer coisa a ver
Com a noção de Deus,
Água que já não és água,
Poder desprovido de mãos e de instrumentos,
Peso sem emprego
Para quem o tempo não existe.
5
Sejamos justos: sem ti
De que me servia o espaço
E as rochas de que serviam?
6
Não temos margens, na verdade,
Nem tu nem eu.
7
Ouve bem o que faz
A pólvora explodindo.
Ouve bem o que faz
O frágil violino.
8
Sei bem que há outros mares,
Mar do pescador,
Mar dos navegadores,
Mar dos marinheiros e guerreiros,
Mar dos que querem morrer no mar.
Não sou um dicionário,
Falo só de nós dois
E quando digo o mar
É sempre o de Carnac.
9
As mesmas terras sempre
A teres de acariciar.
Jamais um corpo novo
Que possas ensaiar.
10
As profundezas, que procuramos,
Serão as tuas?
As nossas têm poder de chama.
11
Demasiado largo
Para ser cavalgado.
Demasiado largo
Para ser estreitado.
E flácido.
12
Se acaso acreditas no valor dos sons
Deves sentir-te arrepiar
Só de ouvir este nome de mar.
13
Tu vais e vens
Mas dentro de limites
Fixados por uma lei
Que não chega a ser tua.
Nós temos em comum
A experiência do muro.
Guillevic
Carnac, fragmentos (1961)
Mar à beira do nada,
Que se mistura ao nada,
Para melhor saber o céu,
As praias, os rochedos,
Para melhor os receber.
2
Algum dia brincaremos,
Por uma hora que seja,
Nada mais que alguns minutos,
Oceano solene,
Sem que tenhas tu esse ar
De outra coisa te ocupar?
3
Sabes de mais que todos te preferem,
Que mesmo aqueles que te deixaram
Nos trigos te reencontram,
Na erva te procuram,
Na pedra te escutam,
Sem que jamais consigam agarrar-te.
4
Tem qualquer coisa a ver
Com a noção de Deus,
Água que já não és água,
Poder desprovido de mãos e de instrumentos,
Peso sem emprego
Para quem o tempo não existe.
5
Sejamos justos: sem ti
De que me servia o espaço
E as rochas de que serviam?
6
Não temos margens, na verdade,
Nem tu nem eu.
7
Ouve bem o que faz
A pólvora explodindo.
Ouve bem o que faz
O frágil violino.
8
Sei bem que há outros mares,
Mar do pescador,
Mar dos navegadores,
Mar dos marinheiros e guerreiros,
Mar dos que querem morrer no mar.
Não sou um dicionário,
Falo só de nós dois
E quando digo o mar
É sempre o de Carnac.
9
As mesmas terras sempre
A teres de acariciar.
Jamais um corpo novo
Que possas ensaiar.
10
As profundezas, que procuramos,
Serão as tuas?
As nossas têm poder de chama.
11
Demasiado largo
Para ser cavalgado.
Demasiado largo
Para ser estreitado.
E flácido.
12
Se acaso acreditas no valor dos sons
Deves sentir-te arrepiar
Só de ouvir este nome de mar.
13
Tu vais e vens
Mas dentro de limites
Fixados por uma lei
Que não chega a ser tua.
Nós temos em comum
A experiência do muro.
Guillevic
Carnac, fragmentos (1961)
quarta-feira, 6 de novembro de 2013
Uma casa branca na praia
Manhã em um lugar lindo. Uma praia vazia, a natureza exuberante. Céu azul, mar verdinho, areia, mata. Uma casa branca em frente ao mar, tão iluminada. Era onde estávamos.
Eu, deitada encolhida no sofá, no teu colo, morrendo de sono. Quase dormindo, mal consigo manter os olhos abertos, mas nem é preciso, prefiro fechá-los e só te sentir. Meu braço sobre o teu. Tudo é terno.
No deck de madeira observo a bela paisagem. Ele chega e segura minha mão. Você surge e segura a outra. Saímos os três pela areia da praia, felicidade pura. Luz.
No meu quarto tinha uma carta pregada na parede ao lado da cama. Não assinada, era tua. As palavras estavam quase apagadas e eu não consegui ler. Era uma carta de adeus?
De noite, deitados no chão da varanda, ele me mostrou as constelações. Eu não enxergava bem as estrelas, pois estava sem óculos. O melhor era a brisa sobre o corpo.
Sonho que me fez acordar nesta manhã com cheiro de maresia e desejo de brisa.
domingo, 20 de outubro de 2013
segunda-feira, 14 de outubro de 2013
quinta-feira, 26 de setembro de 2013
You are welcome to elsinore
Entre nós e
as palavras há metal fundente
Mário Cesariny
entre nós e
as palavras há hélices que andam
e podem
dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo
de nós o mais útil segredo
entre nós e
as palavras há perfis ardentes
espaços
cheios de gente de costas
altas flores
venenosas portas por abrir
e escadas e
ponteiros e crianças sentadas
à espera do
seu tempo e do seu precipício
Ao longo da
muralha que habitamos
há palavras
de vida há palavras de morte
há palavras
imensas, que esperam por nós
e outras,
frágeis, que deixaram de esperar
há palavras
acesas como barcos
e há palavras
homens, palavras que guardam
o seu segredo
e a sua posição
Entre nós e
as palavras, surdamente,
as mãos e as
paredes de Elsenor
E há palavras
noturnas palavras gemidos
palavras que
nos sobem ilegíveis à boca
palavras
diamantes palavras nunca escritas
palavras
impossíveis de escrever
por não
termos conosco cordas de violinos
nem todo o
sangue do mundo nem todo o
amplexo do ar
e os braços
dos amantes escrevem muito alto
muito além do
azul onde oxidados morrem
palavras
maternais só sombra só soluço
só espasmo só
amor só solidão desfeita
Entre nós e
as palavras, os emparedados
e entre nós e
as palavras, o nosso dever falar
quarta-feira, 25 de setembro de 2013
Alvará de demolição
O que precisa nascer
aparece no sonho
buscando frinchas no teto,
réstias de luz e ar.
Sei muito bem
do que este sonho fala
e a quem pode me dar
peço coragem.
Adélia Prado
terça-feira, 24 de setembro de 2013
O Dragão
Mamãe contou ao acordar que sonhou comigo:
Eu e ela estávamos andando e encontrávamos um campo cheio de mini passarinhos de todas as cores.
Eram tão pequeninos que pareciam grilinhos, pousados no mato. Chegávamos mais perto e eles vinham para minhas mãos, tão bonitinhos. Mas então, apareceu uma galinha, e começou a bicá-los furiosamente. Que horror! Mamãe logo achou que a galinha confundiu os passarinhos com insetos. Com isso, fomos embora de lá. Seguindo a rua, mama avista uma grande serpente, me mostra. Oh! Na verdade se trata de um grande dragão chinês, voando sob o muro da casa da calçada oposta à que estávamos. Com o espírito protetor, mama me chama para corrermos o mais rápido possível para longe do monstro, mas eu, desobediente, faço justamente o contrário: atravesso a rua em direção ao dragão. Mama gritando pendido para que eu voltasse, mas eu respondo tranquilamente: Eu vou amansar ele. Ao se deparar com o bicho, ele não me ataca. Aliso suas escamas brilhantes e até que o dragão se transforma em um manso gatinho.
terça-feira, 27 de agosto de 2013
Eu queria trazer-te uns versos
Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
colhidos no mais íntimo de mim...
Sua palavras
seriam as mais simples do mundo,
porém não sei que luz as iluminaria
que terias de fechar teus olhos para os ouvir...
Sim! Uma luz que viria de dentro delas,
como essa que acende inesperadas cores
nas lanternas chinesas de papel.
Trago-te palavras, apenas... e que estão escritas
do lado de fora do papel... Não sei, eu nunca soube
o que dizer-te
e este poema vai morrendo, ardente de puro, ao
vento da Poesia...
como uma pobre lanterna que incendiou!
colhidos no mais íntimo de mim...
Sua palavras
seriam as mais simples do mundo,
porém não sei que luz as iluminaria
que terias de fechar teus olhos para os ouvir...
Sim! Uma luz que viria de dentro delas,
como essa que acende inesperadas cores
nas lanternas chinesas de papel.
Trago-te palavras, apenas... e que estão escritas
do lado de fora do papel... Não sei, eu nunca soube
o que dizer-te
e este poema vai morrendo, ardente de puro, ao
vento da Poesia...
como uma pobre lanterna que incendiou!
Mario Quintana
Canção do dia de sempre
Tão bom viver dia a dia...
A vida, assim, jamais cansa...
Viver tão só de momentos
Como essas nuvens do céu...
E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...
E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.
Nunca dês nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.
Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!
E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...
Mario Quintana
A vida, assim, jamais cansa...
Viver tão só de momentos
Como essas nuvens do céu...
E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...
E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.
Nunca dês nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.
Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!
E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...
Mario Quintana
sexta-feira, 23 de agosto de 2013
em iídiche
ele fala em russo
[amanha eu posso morrer]
ele não saberá
que nossas vidas são finitas?
ele fala em iídiche
[eu não consigo entender]
sua voz soa como
as notas do piano
ele fala por metáforas
de símbolos indecifráveis
ele não prometeu nada
quer só ser esquecido!
[amanha eu posso morrer]
ele não saberá
que nossas vidas são finitas?
ele fala em iídiche
[eu não consigo entender]
sua voz soa como
as notas do piano
ele fala por metáforas
de símbolos indecifráveis
ele não prometeu nada
quer só ser esquecido!
sábado, 10 de agosto de 2013
sexta-feira, 26 de julho de 2013
Corcel de prata
vi um cavalo branco
correndo na mata
cruzando o vento
como se fosse alado
contra o fundo azul
da escura noite
um brilho prateado
luzindo sob a lua
livre como o vento
o corcel de prata
correndo na mata
cruzando o vento
como se fosse alado
contra o fundo azul
da escura noite
um brilho prateado
luzindo sob a lua
livre como o vento
o corcel de prata
segunda-feira, 15 de julho de 2013
sexta-feira, 14 de junho de 2013
O Amor
[...]
Então, de todo amor não terminado
seremos pagos em enumeráveis noites de estrelas.
Ressuscita-me,
nem que seja porque te esperava
como um poeta,
repelindo o absurdo cotidiano!
Ressuscita-me,
nem que seja só por isso!
Ressuscita-me!
Quero viver até o fim que me cabe!
Para que o amor não seja mais escravo de casamentos,
concupiscência,
salários.
Para que, maldizendo os leitos,
saltando dos coxins,
o amor se vá pelo universo inteiro.
Para que o dia,
que o sofrimento degrada,
não vos seja chorado, mendigado.
E que ao primeiro apelo:
- Camaradas!
Atenta se volte à terra inteira.
Para viver
livre dos nichos das casas.
Para que doravante
a família seja
o pai,
pelo menos o universo,
a mãe,
pelo menos a terra.
Vladimir Mayakovski
Então, de todo amor não terminado
seremos pagos em enumeráveis noites de estrelas.
Ressuscita-me,
nem que seja porque te esperava
como um poeta,
repelindo o absurdo cotidiano!
Ressuscita-me,
nem que seja só por isso!
Ressuscita-me!
Quero viver até o fim que me cabe!
Para que o amor não seja mais escravo de casamentos,
concupiscência,
salários.
Para que, maldizendo os leitos,
saltando dos coxins,
o amor se vá pelo universo inteiro.
Para que o dia,
que o sofrimento degrada,
não vos seja chorado, mendigado.
E que ao primeiro apelo:
- Camaradas!
Atenta se volte à terra inteira.
Para viver
livre dos nichos das casas.
Para que doravante
a família seja
o pai,
pelo menos o universo,
a mãe,
pelo menos a terra.
Vladimir Mayakovski
terça-feira, 11 de junho de 2013
sábado, 8 de junho de 2013
sexta-feira, 24 de maio de 2013
O que faz o mundo andar
Do filme A espada era a lei
Vou dizer, vou contar,
O que faz o mundo andar:
Lá e cá, sim e não,
Tudo faz contradição,
Pra cada céu, existe um mar,
Pra cada luz, escuridão
Pra cada bem? Existe um mal!
Pro que é doce... Existe o sal!
[...]
Depende só...
Só de você,
Se você quer acontecer,
E é assim que a vida diz
Pra quem quer ser bem feliz!
Vou dizer, vou contar,
O que faz o mundo andar:
Lá e cá, sim e não,
Tudo faz contradição,
Pra cada céu, existe um mar,
Pra cada luz, escuridão
Pra cada bem? Existe um mal!
Pro que é doce... Existe o sal!
[...]
Depende só...
Só de você,
Se você quer acontecer,
E é assim que a vida diz
Pra quem quer ser bem feliz!
sábado, 11 de maio de 2013
quarta-feira, 8 de maio de 2013
08.05
em uma universidade, mas não aqui. a ufsc talvez, porque fazia friozinho...
corredor da sala de aula dava pra um jardim com árvores altas. o pessoal tava lá.
você aparecia, mas não entrava na sala em que era chamado, continuava, até me alcançar.
tuas mãos esbarram nas minhas, teu braço se apoia em meu ombro, mas eu o retiro,
e seguro tua mão, observo e aliso as linhas da palma e a pequeninez da minha junto dela.
não me contive. por quê? perguntei com a voz entrecortada.
por que não entrasse naquela sala? [e agora está ao meu lado, pensei].
não houve resposta, silenciada por carinho
quarta-feira, 1 de maio de 2013
segunda-feira, 29 de abril de 2013
Eu caminhava em uma pequena cidade da Itália.
A rua se abria em um largo, e me deparei com uma igreja barroca, não como as que temos por aqui, mas como aquelas do começo do movimento. Era de cor alaranjada de cerâmica.
Cinco arcadas em arco pleno, como era de se esperar. Cinco estrelas de cinco pontas invertidas, talhadas em baixo relevo, a cima de cada arco!
A rua se abria em um largo, e me deparei com uma igreja barroca, não como as que temos por aqui, mas como aquelas do começo do movimento. Era de cor alaranjada de cerâmica.
Cinco arcadas em arco pleno, como era de se esperar. Cinco estrelas de cinco pontas invertidas, talhadas em baixo relevo, a cima de cada arco!
quinta-feira, 18 de abril de 2013
sexta-feira, 12 de abril de 2013
domingo, 7 de abril de 2013
Alongo-me
O rio nasce
toda a vida.
Dá-se
ao mar a alma vivida.
A água amadurecida
a face
ida.
O rio sempre renasce.
A morte é vida.
Guimarães Rosa
Guimarães Rosa
quarta-feira, 20 de março de 2013
Oração para Aviadores
Santa Clara, clareai
Estes ares.
Dai-nos ventos regulares,
de feição.
Estes mares, estes ares
Clareai.
Santa Clara, dai-nos sol.
Se baixar a cerração,
Alumiai
Meus olhos na cerração.
Estes montes e horizontes
Clareai.
Santa Clara, no mau tempo
Sustentai
Nossas asas.
A salvo de árvores, casas,
E penedos, nossas asas
Governai.
Santa Clara, clareai.
Afastai
Todo risco.
Por amor de S. Francisco,
Vosso mestre, nosso pai,
Santa Clara, todo risco
Dissipai.
Santa Clara, clareai.
Manuel Bandeira
Estes ares.
Dai-nos ventos regulares,
de feição.
Estes mares, estes ares
Clareai.
Santa Clara, dai-nos sol.
Se baixar a cerração,
Alumiai
Meus olhos na cerração.
Estes montes e horizontes
Clareai.
Santa Clara, no mau tempo
Sustentai
Nossas asas.
A salvo de árvores, casas,
E penedos, nossas asas
Governai.
Santa Clara, clareai.
Afastai
Todo risco.
Por amor de S. Francisco,
Vosso mestre, nosso pai,
Santa Clara, todo risco
Dissipai.
Santa Clara, clareai.
Manuel Bandeira
sábado, 9 de março de 2013
Elogio dos sonhos
Nos sonhos
eu pinto como Vermeer van Delft.
Falo grego fluente
e não só com os vivos.
Dirijo um carro
que me obedece.
Tenho talento,
escrevo grandes poemas.
Escuto vozes
não menos que os mais veneráveis santos.
Vocês se espantariam
com minha performance ao piano.
Flutuo no ar como se deve
isto é, sozinha.
Ao cair do telhado
desço de manso na relva.
Respiro sem problema
debaixo d'água.
Não reclamo:
consegui descobrir a Atlântida.
Fico feliz de sempre poder acordar
pouco antes de morrer.
Assim que começa a guerra
me viro do melhor lado.
Sou, mas não tenho que ser
filha da minha época.
Faz alguns anos
vi dois sóis.
E anteontem um pinguim.
Com toda a clareza.
Wisława Szymborska
eu pinto como Vermeer van Delft.
Falo grego fluente
e não só com os vivos.
Dirijo um carro
que me obedece.
Tenho talento,
escrevo grandes poemas.
Escuto vozes
não menos que os mais veneráveis santos.
Vocês se espantariam
com minha performance ao piano.
Flutuo no ar como se deve
isto é, sozinha.
Ao cair do telhado
desço de manso na relva.
Respiro sem problema
debaixo d'água.
Não reclamo:
consegui descobrir a Atlântida.
Fico feliz de sempre poder acordar
pouco antes de morrer.
Assim que começa a guerra
me viro do melhor lado.
Sou, mas não tenho que ser
filha da minha época.
Faz alguns anos
vi dois sóis.
E anteontem um pinguim.
Com toda a clareza.
Wisława Szymborska
quinta-feira, 7 de março de 2013
Fui descansar só um pouquinho, antes de retornar aos estudos, mas acabei quase cochilando. Eu estava naquele estado, quando ainda não se está realmente dormindo e a mente fica solta...então me veio uma imagem (que recordo porque logo em seguida despertei de vez com minha gatinha correndo), a seguinte: no interior de uma antiga igreja, havia uma estrela grande de ferro suspensa no teto por grossas correntes, e homens barbudos vestidos com túnicas (cada um de uma cor) empurravam as suas seis pontas, girando-a como uma roldana...
quarta-feira, 6 de março de 2013
natural noturna
meus pés descalços sentem as folhas,
a umidade da terra
meu corpo abandona as vestes
a luz que chega aos meus olhos
é das estrelas distantes.
os grilos quebram o silêncio
coruja me encara com olhos âmbar
também sou da floresta
animal selvagem
pura, sem adornos
cristalina, como o orvalho.
a umidade da terra
meu corpo abandona as vestes
a luz que chega aos meus olhos
é das estrelas distantes.
os grilos quebram o silêncio
coruja me encara com olhos âmbar
também sou da floresta
animal selvagem
pura, sem adornos
cristalina, como o orvalho.
sexta-feira, 1 de março de 2013
Entre milhões de versos (completo)
e no final do dia a escuridão
entre milhões de versos imperfeitos
nesses versos sonhos e recordação
de momento e gestos nunca feitos
e ao meio dia vejo a luz do sol
dissipando as dúvidas perdidas
com milhões de flechas e nenhum farol
indicando o rumo de nossas vidas
e no final do dia vejo sol se pôr
entre milhões de árvores caídas
torres de concreto e elevador
embalando risos e feridas
e à meia noite a escuridão
libertando as rédeas da loucura
entre milhões de metáforas e ilusão
nessa intrincada arquitetura
entre milhões de versos imperfeitos
nesses versos sonhos e recordação
de momento e gestos nunca feitos
e ao meio dia vejo a luz do sol
dissipando as dúvidas perdidas
com milhões de flechas e nenhum farol
indicando o rumo de nossas vidas
e no final do dia vejo sol se pôr
entre milhões de árvores caídas
torres de concreto e elevador
embalando risos e feridas
e à meia noite a escuridão
libertando as rédeas da loucura
entre milhões de metáforas e ilusão
nessa intrincada arquitetura
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013
sábado, 23 de fevereiro de 2013
quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013
Intenso brilho
O véu que protege a vida
nos separa.
O véu que protege a vida
nos protege.
Aproveita, pois,
que é tudo branco agora,
à boca do precipício,
neste vórtice
e fala
nesta clareira aberta pela insônia
quero ouvir tua alma
a que mora na garganta
como em túmulos
esperando a hora da ressurreição,
fala meu nome
antes que eu retorne
ao dia pleno,
à semi-escuridão.
.
Adélia Prado
nos separa.
O véu que protege a vida
nos protege.
Aproveita, pois,
que é tudo branco agora,
à boca do precipício,
neste vórtice
e fala
nesta clareira aberta pela insônia
quero ouvir tua alma
a que mora na garganta
como em túmulos
esperando a hora da ressurreição,
fala meu nome
antes que eu retorne
ao dia pleno,
à semi-escuridão.
.
Adélia Prado
domingo, 17 de fevereiro de 2013
Parábola da Dor
Anoitecia,
a Dor saíra em busca
de um peito onde ficasse agasalhada.
Êxtase. Paz. Enlanguescida e fusca,
a luz do poente iluminava a estrada...
Depois de muito andar, à beira do caminho,
avistou um ancião, a meditar sozinho,
sobre uma pedra.
Aproximou-se e disse-lhe:
"Homem,
eu vaguei no mundo a procurar um peito amigo,
trago rotos os pés!
Por tua compaixão, dá-me um abrigo,
...eu sou a Dor...e tu, homem, quem és?"
E o homem, levantando a fronte encanecida,
respondeu:
"Sou filósofo, sou pobre,
e vivo a vida de pensar na vida.
Mas, se queres um abrigo
para o resto da vida que me sobre,
podes morar, podes viver comigo...
És igual, para mim, a qualquer bem terreno:
- se tens outro sabor, tens o mesmo veneno
que todos eles têm!
E eu tenho o viver já quase findo,
sem um dia glória e sem um dia
de prazer, acredito que a alegria
é uma maneira de sofrer sorrindo!...
Portanto, Dor, se queres um abrigo,
podes morar, podes viver comigo".
"...Não, disse a Dor, os pensamentos teus
são céticos demais, não fico - adeus!".
Parti,
Era já noite feita. A lua,
como a Vênus dos astros, seminua,
bailava na amplidão...
Não muito longe,
a Dor viu um mosteiro e, junto à porta
de entrada, um velho e solidário monge.
Mendigou-lhe pousada, e o religioso
acolheu-a dizendo:
" - Entra em meu peito,
Serei, trazendo-te comigo, venturoso
e, chorando por ti, serei perfeito!
Tu serás minha glória, minha cruz.
Jesus, o Mestre, te adorou. E um dia
foste a glória sublime de Jesus!...
Tenho meu peito aberto para te acolher,
bem sei, és-me uma glória imerecida:
- feliz daquele que encontrar na vida
uma oportunidade de sofrer!".
A Dor tudo escutava. E o franciscano
concluiu a dizer:
"Em ti, encontro
a divina razão de ser humano!".
"- Não, disse a Dor, os pensamentos teus
são divinos demais, não fico - adeus!".
E a Dor seguiu, a passo:
A claridade
da lua, pôde ver ao longe uma cidade.
Alcançou-a, depois de alguns momentos,
A cidade dormia. E a Dor, perdida,
foi pelas ruas, caminhando ao léu...
Afinal, encontrou numa avenida
um moço que, deitado sobre um banco,
de olhos serenos, contemplava o céu.
" - Jovem, eu sou a Dor, e vivo em busca
de um peito humano que me ceda abrigo.
Por esta noite, ao menos, dá que eu possa
ficar comigo".
" - O que estás a pedir-me, disse o jovem,
é um sacrifício para mim, no entanto,
meu coração de moço não resiste
à tristeza de alguém sem ficar triste,
nem poder ver alguém chorar, sem ter desejos
de lhe enxugar o pranto!
Se queres, pois, um agasalho, então,
um agasalho encontrarás
em meu coração!
Que me faças sofrer mesmo a todo momento,
unicamente anseio
à glória de ter sempre, em meio ao sofrimento,
uma frase que abrande o sofrimento alheio!".
E a Dor, emocionada, exclama, então:
" - Sublimes e humanos são os pensamentos teus!
E eu não conheço verbo que resuma
o que em frases simplíssimas exprimes.
Extraordinário jovem, tu és, em suma,
um corpo humano onde palpita um deus!
Concede, agora, que eu te beije os pés.
Que de teu peito, para mim aberto,
faça a minha morada predileta...
...E, todavia, inda não sei como és".
E o moço, erguendo para os céus o incerto
e vago olhar, responde:
"Eu sou poeta".
Ferreira Gullar, 1930.
a Dor saíra em busca
de um peito onde ficasse agasalhada.
Êxtase. Paz. Enlanguescida e fusca,
a luz do poente iluminava a estrada...
Depois de muito andar, à beira do caminho,
avistou um ancião, a meditar sozinho,
sobre uma pedra.
Aproximou-se e disse-lhe:
"Homem,
eu vaguei no mundo a procurar um peito amigo,
trago rotos os pés!
Por tua compaixão, dá-me um abrigo,
...eu sou a Dor...e tu, homem, quem és?"
E o homem, levantando a fronte encanecida,
respondeu:
"Sou filósofo, sou pobre,
e vivo a vida de pensar na vida.
Mas, se queres um abrigo
para o resto da vida que me sobre,
podes morar, podes viver comigo...
És igual, para mim, a qualquer bem terreno:
- se tens outro sabor, tens o mesmo veneno
que todos eles têm!
E eu tenho o viver já quase findo,
sem um dia glória e sem um dia
de prazer, acredito que a alegria
é uma maneira de sofrer sorrindo!...
Portanto, Dor, se queres um abrigo,
podes morar, podes viver comigo".
"...Não, disse a Dor, os pensamentos teus
são céticos demais, não fico - adeus!".
Parti,
Era já noite feita. A lua,
como a Vênus dos astros, seminua,
bailava na amplidão...
Não muito longe,
a Dor viu um mosteiro e, junto à porta
de entrada, um velho e solidário monge.
Mendigou-lhe pousada, e o religioso
acolheu-a dizendo:
" - Entra em meu peito,
Serei, trazendo-te comigo, venturoso
e, chorando por ti, serei perfeito!
Tu serás minha glória, minha cruz.
Jesus, o Mestre, te adorou. E um dia
foste a glória sublime de Jesus!...
Tenho meu peito aberto para te acolher,
bem sei, és-me uma glória imerecida:
- feliz daquele que encontrar na vida
uma oportunidade de sofrer!".
A Dor tudo escutava. E o franciscano
concluiu a dizer:
"Em ti, encontro
a divina razão de ser humano!".
"- Não, disse a Dor, os pensamentos teus
são divinos demais, não fico - adeus!".
E a Dor seguiu, a passo:
A claridade
da lua, pôde ver ao longe uma cidade.
Alcançou-a, depois de alguns momentos,
A cidade dormia. E a Dor, perdida,
foi pelas ruas, caminhando ao léu...
Afinal, encontrou numa avenida
um moço que, deitado sobre um banco,
de olhos serenos, contemplava o céu.
" - Jovem, eu sou a Dor, e vivo em busca
de um peito humano que me ceda abrigo.
Por esta noite, ao menos, dá que eu possa
ficar comigo".
" - O que estás a pedir-me, disse o jovem,
é um sacrifício para mim, no entanto,
meu coração de moço não resiste
à tristeza de alguém sem ficar triste,
nem poder ver alguém chorar, sem ter desejos
de lhe enxugar o pranto!
Se queres, pois, um agasalho, então,
um agasalho encontrarás
em meu coração!
Que me faças sofrer mesmo a todo momento,
unicamente anseio
à glória de ter sempre, em meio ao sofrimento,
uma frase que abrande o sofrimento alheio!".
E a Dor, emocionada, exclama, então:
" - Sublimes e humanos são os pensamentos teus!
E eu não conheço verbo que resuma
o que em frases simplíssimas exprimes.
Extraordinário jovem, tu és, em suma,
um corpo humano onde palpita um deus!
Concede, agora, que eu te beije os pés.
Que de teu peito, para mim aberto,
faça a minha morada predileta...
...E, todavia, inda não sei como és".
E o moço, erguendo para os céus o incerto
e vago olhar, responde:
"Eu sou poeta".
Ferreira Gullar, 1930.
quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013
Entre milhões de versos
e no final do dia a escuridão
entre milhões de versos imperfeitos
nesses versos sonhos e recordação
de momento e gestos nunca feitos
entre milhões de versos imperfeitos
nesses versos sonhos e recordação
de momento e gestos nunca feitos
terça-feira, 22 de janeiro de 2013
"nalgum lugar em que eu nunca estive, alegremente além
de qualquer experiência, teus olhos têm o seu silêncio:
no teu gesto mais frágil há coisas que me encerram,
ou que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto
teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra
embora eu tenha me fechado como dedos, nalgum lugar
me abres sempre pétala por pétala como a Primavera abre
(tocando sutilmente, misteriosamente) a sua primeira rosa"
de qualquer experiência, teus olhos têm o seu silêncio:
no teu gesto mais frágil há coisas que me encerram,
ou que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto
teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra
embora eu tenha me fechado como dedos, nalgum lugar
me abres sempre pétala por pétala como a Primavera abre
(tocando sutilmente, misteriosamente) a sua primeira rosa"
terça-feira, 8 de janeiro de 2013
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