quinta-feira, 26 de setembro de 2013

You are welcome to elsinore

Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam

e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós

e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor

E há palavras noturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos conosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o
amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar


Mário Cesariny

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Alvará de demolição

O que precisa nascer
aparece no sonho
buscando frinchas no teto,
réstias de luz e ar.
Sei muito bem
do que este sonho fala
e a quem pode me dar
peço coragem.

Adélia Prado

terça-feira, 24 de setembro de 2013

O Dragão

Mamãe contou ao acordar que sonhou comigo:

Eu e ela estávamos andando e encontrávamos um campo cheio de mini passarinhos de todas as cores.
Eram tão pequeninos que pareciam grilinhos, pousados no mato. Chegávamos mais perto e eles vinham para minhas mãos, tão bonitinhos. Mas então, apareceu uma galinha, e começou a bicá-los furiosamente. Que horror! Mamãe logo achou que a galinha confundiu os passarinhos com insetos. Com isso, fomos embora de lá. Seguindo a rua,  mama avista uma grande serpente, me mostra. Oh! Na verdade se trata de um grande dragão chinês, voando sob o muro da casa da calçada oposta à que estávamos. Com o espírito protetor, mama  me chama para corrermos o mais rápido possível para longe do monstro, mas eu, desobediente, faço justamente o contrário: atravesso a rua em direção ao dragão. Mama gritando pendido para que eu voltasse, mas eu respondo tranquilamente: Eu vou amansar ele. Ao se deparar com o bicho, ele não me ataca. Aliso suas escamas brilhantes e até que o dragão se transforma em um manso gatinho.