domingo, 25 de setembro de 2011

Diz-me,
de tudo, o que é real?

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Serenata

Permita que eu feche os meus olhos,
pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora,
e cantando pus-me a esperar-te.

Permite que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.
Há uma doce luz no silencio,
e a dor é de origem divina.

Permite que eu volte o meu rosto
para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho
como as estrelas no seu rumo.

Cecília Meireles

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Põe-me as mãos nos ombros...
Beija-me na fronte...
Minha vida é escombros,
A minha alma insonte.

Eu não sei por quê,
Meu desde onde venho,
Sou o ser que vê,
E vê tudo estranho.

Põe a tua mão
Sobre o meu cabelo...
Tudo é ilusão.
Sonhar é sabê-lo.

Fernando Pessoa

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Personagem

" [...]
Meus sonhos viajam rumos tristes
e, no seu profundo universo,
tu, sem forma e sem nome, existes,
silêncio, obscuro, disperso.

Teu corpo, e teu rosto, e teu nome,
teu coração, tua existência,
tudo - o espaço evita e consome:
e eu só conheço a tua ausência.

Eu só conheço o que não vejo.
E, nesse abismo do meu sonho,
alheia a todo outro desejo,
me decomponho e recomponho."

Cecília Meireles, in 'Viagem'

domingo, 4 de setembro de 2011

*

sábado, 3 de setembro de 2011

Morte e fuga

Alemanha, inicio da década de 1940. Lembro que eu trajava um sobretudo cáqui e o dia estava frio e claro, a luz transpassava a poeira em meio aos destroços na rua, quando me capturaram. Me levaram para um edifício cinzento de uns seis andares, de arquitetura pesada e sóbria, que parecia representar o aspecto daqueles que estavam lá em seu interior. Subimos ao segundo andar. O medo me dominava, não sabia o que fariam comigo. Chegam alguns e falam palavras que não compreendo olhando em minha direção, imagino que decidindo o que me reservava. Um homem alto de feição grosseira e hostil , vestido como médico, chega e levanta meu rosto com força, puxa minhas pálpebras e passa uma pequena lanterna em frente aos meus olhos, depois soa uma espécie de sino junto ao meu ouvido direito. Ele executa todos esses procedimentos rapidamente, enquanto isso, tento entender o que ocorre, submissa e assustada como um animalzinho, até que vejo uma enfermeira passar de uma sala para outra com uma mulher numa cadeira de rodas em estado deplorável, extremamente magra e parecia não ter mais consciência de si mesma, seus olhos se perdiam num vazio sem órbita. Daí em diante, meu pensamento passa a ser um só: tenho que fugir. Mas como? O lugar tinha paredes de uns quarenta centímetros, suas janelas retangulares possuíam grades de ferro, e a escada e a porta principal sempre bem vigiados. Presumo que se continuasse aí eu teria uma morte lenta e dolorosa. Penso em explicar que só meu avô era judeu, mas percebo que não faria a menor diferença, talvez até piore minha situação, afinal, quem se importará com o grau de minha ascendência? Já identificaram meu sobrenome. Vejo um enfermeiro passar com outra pessoa em cadeira de rodas. Dessa vez, um rapaz parecendo saudável, entretanto, não se via seus olhos, estavam vedados com curativos. Penso em descer as escadas, mas logo elimino a ideia. Lembro que as janelas dos últimos andares, invés de grades, eram fechadas só com telas metálicas. Então vislumbro a solução, irei arrancar as telas e me arremessar do alto do edifício. Antes uma morte rápida, do que uma morte lenta, dolorosa e desumana, que é a que terei se continuar onde estou. Meu plano não é perfeito, o prédio não é tão alto, ainda posso ter o azar de não morrer na queda e obviamente não ficaria em condições de fugir, seria recapturada e sofreria as piores punições. Observo, mesmo o acesso aos pavimentos superiores são vigiados. Tenho que ser cautelosa ao ir em busca da liberdade que anseio- a morte. Tento aparentar alguém desinformada e obediente, ao passo que vou me inteirando dos horários e costumes dos vigias, enfermeiros e médicos. Tento subir a escada, primeiros degraus, prendo a respiração e vou de pontas de pés. Ouço passos, volto à tempo, antes que me vejam. Perambulo de lado a outro a esperança sufocando, até que me viro e... Surpresa, a escada estava desimpedida! Corro sobre todos os degraus, sem olhar para trás, como num voo de passarinho que escapa da gaiola, tudo vira um borrão. A luz da porta vai se aproximando, até que me ofusco- estou livre! Sigo correndo sobre a rua estática de silêncio deserto, poeira, ofegante: estou salva.

Claro, foi um sonho. Não sei o dia exato, lá pela terceira semana de agosto.