quarta-feira, 20 de março de 2013

Oração para Aviadores

Santa Clara, clareai
Estes ares.
Dai-nos ventos regulares,
de feição.
Estes mares, estes ares
Clareai.

Santa Clara, dai-nos sol.
Se baixar a cerração,
Alumiai
Meus olhos na cerração.
Estes montes e horizontes
Clareai.

Santa Clara, no mau tempo
Sustentai
Nossas asas.
A salvo de árvores, casas,
E penedos, nossas asas
Governai.

Santa Clara, clareai.
Afastai
Todo risco.
Por amor de S. Francisco,
Vosso mestre, nosso pai,
Santa Clara, todo risco
Dissipai.

Santa Clara, clareai.

Manuel Bandeira

sábado, 9 de março de 2013

Elogio dos sonhos

Nos sonhos
eu pinto como Vermeer van Delft.

Falo grego fluente
e não só com os vivos.

Dirijo um carro
que me obedece.

Tenho talento,
escrevo grandes poemas.

Escuto vozes
não menos que os mais veneráveis santos.

Vocês se espantariam
com minha performance ao piano.

Flutuo no ar como se deve
isto é, sozinha.

Ao cair do telhado
desço de manso na relva.

Respiro sem problema
debaixo d'água.

Não reclamo:
consegui descobrir a Atlântida.

Fico feliz de sempre poder acordar
pouco antes de morrer.

Assim que começa a guerra
me viro do melhor lado.

Sou, mas não tenho que ser
filha da minha época.

Faz alguns anos
vi dois sóis.

E anteontem um pinguim.
Com toda a clareza.


Wisława Szymborska

quinta-feira, 7 de março de 2013

Fui descansar só um pouquinho, antes de retornar aos estudos, mas acabei quase cochilando. Eu estava naquele estado, quando ainda não se está realmente dormindo e a mente fica solta...então me veio uma imagem (que recordo porque logo em seguida despertei de vez com minha gatinha correndo), a seguinte: no interior de uma antiga igreja, havia uma estrela grande de ferro suspensa no teto por grossas correntes, e homens barbudos vestidos com túnicas (cada um de uma cor) empurravam as suas seis pontas, girando-a como uma roldana...

quarta-feira, 6 de março de 2013

natural noturna

meus pés descalços sentem as folhas, 
a umidade da terra
meu corpo abandona as vestes
a luz que chega aos meus olhos
é das estrelas distantes. 
os grilos quebram o silêncio
coruja me encara com olhos âmbar
também sou da floresta
animal selvagem
pura, sem adornos
cristalina, como o orvalho.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Entre milhões de versos (completo)

e no final do dia a escuridão
entre milhões de versos imperfeitos
nesses versos sonhos e recordação
de momento e gestos nunca feitos

e ao meio dia vejo a luz do sol
dissipando as dúvidas perdidas
com milhões de flechas e nenhum farol
indicando o rumo de nossas vidas

e no final do dia vejo sol se pôr
entre milhões de árvores caídas
torres de concreto e elevador
embalando risos e feridas

e à meia noite a escuridão
libertando as rédeas da loucura
entre milhões de metáforas e ilusão
nessa intrincada arquitetura